Acha se esta
pequena paróquia encravada entre as freguesias da Ponta do Pargo e Porto Moniz,
e o seu litoral fica a quasi igual distância das pontas do Pargo e do Tristão.
Foi esta, como se sabe, o termo da primeira exploração feita através da costa
marítima pelos descobridores João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, e também o
limite das duas capitanias em que se dividiu a Madeira, sendo o outro limite a
Ponta da Oliveira. Àquela ponta foi dado o nome do segundo dos descobridores.
Os terrenos que haviam de constituir a futura paróquia das Achadas da Cruz
ficaram portanto pertencendo à capitania do Funchal.
Confina ao norte
com a Ribeira do Tristão, que a separa da freguesia do Porto do Moniz, ao sul
com a Ribeira da Cruz, que a limita da paróquia da Ponta do Pargo, a leste com
as serras da freguesia do Porto do Moniz, e a oeste com o oceano.
Pertence ao
Concelho do Porto do Moniz e à Comarca da Ponta do Sol, estando distanciada da
sede do primeiro aproximadamente 8 quilómetros, e da segunda cerca de 40
quilómetros pela estrada da Ponta do Pargo, Fajã da Ovelha, etc.. Divide se nos
seguintes sítios povoados: Pinheiro, Achada da Arruda, Igreja, Cova, Lombo do
Simão, Achada de Castro e Terça. Outros sítios de menor importância: Quebrada
Nova,
Quebrada do Negro,
Fajã das Malvas, Fajã Nova, Pomar Velho, Risco, Pico da Azeveda etc. Tem Caixa
Postal instalada no sítio da Igreja. Não há escolas oficiais, mantendo o
respectivo pároco dois cursos de instrução primária, um diurno e outro
nocturno, para crianças e adultos do sexo masculino. É irrigada com as levadas
da Ribeira dos Moinhos, dos Lagos e do Pico da Arruda. Não tem porto de mar,
mas apenas um pequeno Calhau, de difícil acesso.
A sua população é
de cerca de 600 habitantes, vivendo em 150 fogos. São sítios pitorescos e de
boas vistas o Pico das Mós, Cabeço do Facho e Pico do Fogo. Acha se quasi
limitada à área desta freguesia o cultivo duma trepadeira, da família das
Dioscoreáceas, conhecida pelo nome de norça, que produz um tubérculo muito
usado na alimentação.
Como fica dito,
esta freguesia pertence ao concelho do Porto do Moniz, mas quando este
município foi duas vezes extinto no ano do 1849 e de 1895, passou aquela
freguesia a fazer parte do concelho da Calheta. Tendo, porém, o município do
Porto Moniz sido novamente restaurado nos anos de 1855 e 1898, a paróquia das
Achadas da Cruz de novo ficou incluída na área deste concelho.
Ignoramos se o
nome vem dos tempos primitivos da colonização. Sabemos, no entretanto, que ali
se edificou, no terceiro ou último quartel do século XVI, uma pequena capela
que teve a invocação de Vera Cruz. É possível que a tendência simplificadora do
povo em questões de linguagem abreviasse no monossílabo Cruz a expressão mais
complexa de Vera Cruz, e desta maneira a capela da Cruz desse o nome ao lugar
ou achada em cujas proximidades foi construída, a não ser que admitamos a
existência da actual denominação da paróquia como anterior à edificação da
pequena ermida, o que hoje não será fácil verificar.
Foi certamente
nesta capela da Vera Cruz que, no terceiro quartel do século XVI, se
estabeleceu um curato dependente da colegiada da Calheta, mas que teve curta
duração, sendo extinto em 1577 pelo bispo D. Jerónimo Barreto. A sua extinção
deve se ao pequeno incremento da população, que por aquela época seria muito
reduzida e que ainda, através dos tempos, pouco desenvolvimento tem tido. A
extinção deste curato e doutros três ou quatro em idênticas circunstâncias, deu
lugar à criação e custeio duma nova conezia na Sé do Funchal.
Por 1587, segundo
se vê dum provimento feito pelo bispo D. Luiz Figueiredo de Lemos numa visita
pastoral à igreja do Porto Moniz, estava aquela capela em lamentável estado de
conservação e asseio, sendo a sua cobertura de palha e não tendo no altar o
painel do orago. Reconheceu nesta ocasião o prelado que o chamado administrador
da capela, Gaspar da Costa, não tinha obrigação de acudir aos reparos dela,
porque os seus antepassados a haviam vendido ao rei, competindo aos habitantes
do lugar o dever de a conservar convenientemente reparada e de maneira a poder
celebrar se ali os actos do culto com a devida decência.
Parece que os
habitantes das Achadas faziam primitivamente parte da freguesia da Ponta do
Pargo, pois que, em 1592, ordenou o bispo diocesano que passassem a ser
paroquianos do Porto Moniz e ali fossem cumprir as suas obrigações religiosas.
Em 1611, pediu o
prelado a restauração do antigo curato, vista a dificuldade que os 84 moradores
da Achada tinham em ir ao Porto Moniz, e o mesmo requereu o povo em 1638, com o
fundamento de já ali haver cerca de 18 fogos. Surtiram sempre infrutíferas
estas diligências. Somente um século depois da extinção do primitivo curato é
que o bispo D. António Teles da Silva teve autorização, por alvará de 28 de
Dezembro de 1676, de “criar o curato de Nossa Senhora da Conceição do Porto
Moniz, com a obrigação de residência nas Achadas da Cruz e haver seu ordenado
do ramo da mesma freguesia”. O alvará de 5 de Março de 1680 fixou o vencimento
anual do cura em doze mil réis em dinheiro, um moio de trigo e uma pipa de
vinho. 0primeiro cura nomeado foi o padre Manuel Ferreira da Silva, a 20 de
Julho de 1677.
As Achadas da Cruz
foram sempre um curato filial do Porto Moniz, com variantes de maior ou menor
dependência desta freguesia, até que, pela carta de Lei de 24 de Julho de 1848,
ficou constituindo uma paróquia independente, ou um curato autónomo com vida
civil e religiosa próprias.
A antiga ermida da
Vera Cruz, que ficava nas proximidades do sítio do Calvário, não deu o nome da
sua invocação ao orago da paróquia. Passou este a ser de Nossa Senhora do
Livramento na nova capela que mais tarde se erigiu em ano que não podemos
determinar. Esta capela foi há poucos anos acrescentada, e sofreu notáveis
melhoramentos com o importante donativo que para isso lhe legou Manuel de
Pontes
Câmara, natural
desta freguesia.
Encontramos
algures que João Gonçalves Zarco doara a seu filho Garcia Rodrigues da Câmara
vastos terrenos no extremo ocidental da sua capitania, parte dos quais veio
mais tarde a formar a paróquia das Achadas. Essa doação compreendia várias
terras na Ponta do Pargo e estendia se até o limite da donataria, que era na
ribeira ou na Ponta do Tristão. Não tem fundamento a afirmativa de que Garcia
da Câmara tivesse feito assentamento pelas terras das Achadas e constituísse
com a sua família e os seus serviçais o primitivo núcleo da população que por
ali houvesse. Dizem antigos nobiliários que Garcia da Câmara morreu sem
descendência, mas conjectura se que o morgadio que existiu nas Achadas da Cruz
fosse instituído por algum dos seus herdeiros, cujo último representante
faleceu ali há poucos anos e se chamava
Luiz Isidoro
Carvalho Drumond.
Um filho distinto
desta freguesia foi o comendador Manuel de Pontes Câmara, que, adquirindo no
Brasil uma enorme fortuna, praticou ali actos da mais assinalada benemerência,
ao mesmo tempo que criou em torno do seu nome o elevado e nunca desmentido
conceito de uma inexcedível probidade e da mais comprovada austeridade de
carácter. Tendo nascido em 1815, embarcou em tenra idade para o império
brasileiro e pode, dentro de poucos anos, alcançar uma pequena fortuna, que foi
engrossando e se tornou considerável, à medida que, com a sua inteligente
iniciativa e trabalho perseverante, se entregou a grandes transacções
comerciais, alargando sempre a esfera da sua actividade e adquirindo deste modo
os avultados haveres que deixou por sua morte. Apesar de absorvido o tempo pela
sua actividade comercial, não deixou de cultivar o seu espírito, falando as
línguas e possuindo uma não vulgar ilustração, tendo uma larga leitura dos mais
conhecidos autores, o que dava um particular relevo e encanto ao seu trato
extremamente lhano, acolhedor e afável. Apenas visitou uma vez a sua pátria no
ano de 1881, mas, quando regressou à sua casado Rio de Janeiro no vapor Douro,
foi vítima dum naufrágio no cabo Finisterra, a 2 de Abril de 1882.
Segundo se afirma,
tencionava, ao chegar ao Brasil, modificar consideravelmente as suas
disposições testamentarias e contemplar os estabelecimentos pios da Madeira com
importantes legados, o que não conseguiu fazer pela morte desastrosa que
inesperadamente o surpreendeu. No entretanto, deixou aqui avultadas esmolas, e
nos seus legados conta se um de cinco contos de reis à Misericórdia do Funchal.
Legou quasi inteiramente a terça dos seus bens a casas de caridade,
especialmente à Misericórdia da cidade do Rio de Janeiro, ficando os seus
filhos com o remanescente da sua grande fortuna.
Um acontecimento
verdadeiramente sensacional para esta e mais freguesias limítrofes foi o do
naufrágio do yacht americano Varuna. Este navio saíra das Bermudas a 7 de
Novembro de 1909, com destino à Madeira, trazendo a bordo o seu proprietário, o
milionário americano Eugene Higgins, e naufragou nas costas da freguesia das
Achadas da Cruz pela madrugada do dia 16 do referido mês. O mar estava calmo,
atribuindo se o sinistro à cerração que fazia, e parece que em boa parte ao
descuido do timoneiro e vigias de bordo. Salvou-se o proprietário do Varuna e
três senhoras que o acompanhavam, o capitão e mais oficiais, tendo morrido
apenas um marinheiro. Era um barco luxuoso, que várias vezes visitara o nosso
porto, tendo cerca de 50 tripulantes e a lotação aproximada de 1600 toneladas.
Pouco depois do encalhe, começou uma grande agitação do mar, impedindo o
salvamento regular dos pertences do navio e dos valiosos objectos que trazia
bordo. A violência das ondas foi se encarregando da destruição do yacht,
arrojando às costas vizinhas e impelindo para o alto mar os preciosos destroços
do naufrágio. Afirma-se que o milionário americano perdera neste sinistro um
riquíssimo colar de pérolas da mais pura água, bordando se em torno do suposto
encontro da preciosa jóia varias invenções e fantasias que nos parecem destituídas
de qualquer fundamento sério.
In: Elucidário
Madeirense; Pe. Augusto da Silva e Carlos Azevedo de Menezes