quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Imaculada Conceição Das Meditações de Santo Anselmo, bispo (Oratio 52: PL 158, 955-956) (Sec. XII)



Ó Virgem, pela tua bênção é abençoada toda a criatura

O céu, as estrelas, a terra, os rios, o dia e a noite, e tudo quanto está sujeito ao poder ou ao serviço dos homens se alegram, Senhora, porque, tendo perdido a sua antiga nobreza, foram em certo modo ressuscitados por meio de Ti e dotados de uma graça nova e inefável.
Todas as coisas se encontravam como mortas, por terem perdido a sua dignidade original de servir o domínio e o uso daqueles que louvam a Deus, para que tinham sido criadas; encontravam-se esmagadas pela opressão e desfiguradas pelo abuso que delas faziam os servos dos ídolos, para os quais não tinham sido criadas. Agora, porém, como que ressuscitadas, felicitam a Maria, ao verem-se governadas pelo domínio e honradas pelo uso daqueles que louvam o Senhor.
Perante esta nova e inestimável graça, todas as coisas exultam de alegria, ao sentir que Deus, seu Criador, não só as governa invisivelmente, lá do alto, mas também está visivelmente presente no meio delas e as santifica com o uso que delas faz. Tão grandes bens procedem do fruto bendito do ventre sagrado da Virgem Maria.
Pela plenitude da tua graça, o que estava cativo na região dos mortos exulta de alegria ao ver-se libertado, e o que estava ainda no mundo regozija-se ao sentir-se renovado. Pelo poder do Filho glorioso da tua gloriosa virgindade, os justos, que morreram antes da sua morte vivificadora, alegram-se ao ver destruído o seu cativeiro, e os Anjos regozijam-se ao ver restaurada a sua cidade quase em ruínas.
Ó Mulher cheia de graça, superabundante de graça, a tua plenitude transborda para a criação inteira e a faz reverdescer. Virgem bendita, entre todas as coisas bendita, pela tua bênção é abençoada toda a natureza, não só a criatura pelo Criador, mas também o Criador pela criatura.
Deus entregou a Maria o seu próprio Filho, o seu Filho Unigénito, igual a Si, a quem amava de todo o coração como a Si mesmo. No seio de Maria, Deus formou o Filho, não distinto, mas o mesmo, para que realmente fosse um e o mesmo o Filho de Deus e de Maria. Tudo o que nasce é criatura de Deus, e Deus nasce de Maria. Deus criou todas as coisas, e Maria gerou a Deus. Deus, que criou todas as coisas, fez-Se a Si mesmo por meio de Maria. E deste modo refez tudo o que tinha feito. Ele, que pôde fazer todas as coisas do nada, não quis refazer sem Maria o que tinha sido arruinado.
Por esta razão, Deus é o Pai das coisas criadas, e Maria a mãe das coisas recriadas. Deus é o Pai a quem se deve a constituição do mundo, e Maria a mãe a quem se deve a sua restauração. Pois Deus gerou Aquele por quem tudo foi feito, e Maria deu à luz Aquele por quem tudo foi salvo. Deus gerou Aquele fora do qual nada existe, e Maria deu à luz Aquele sem o qual nada subsiste. Verdadeiramente o Senhor está contigo, pois quis que toda a criatura reconhecesse que deve a Ti, com Ele, tão grande benefício.                              

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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Da Exposição de São João Damasceno, presbítero, sobre a fé (Cap. I: PG 95, 417-419) (Séc. VIII)

Vós me chamastes, Senhor, para servir os vossos discípulos

Vós me formastes, Senhor, do corpo de meu pai; Vós me formastes no ventre de minha mãe; Vós me fizestes sair à luz, menino e nu, porque as leis da natureza seguem sempre os vossos preceitos.
Com a bênção do Espírito Santo preparastes a minha criação e a minha existência, não por vontade do homem, nem por desejo da carne, mas pela vossa graça inefável. Preparastes o meu nascimento com um cuidado superior ao das leis naturais, fizestes-me sair à luz do dia adoptando-me como vosso filho e me contastes entre os filhos da vossa Igreja santa e imaculada.
Vós me alimentastes com o leite espiritual dos vossos divinos ensinamentos. Vós me sustentastes com o vigoroso alimento do Corpo de Cristo, nosso Deus, vosso Filho Unigénito, e me inebriastes com o cálice divino do seu Sangue vivificante, que Ele derramou pela salvação de todo o mundo.
Porque Vós, Senhor, nos amastes e nos destes o vosso único e amado Filho para nossa redenção, que Ele aceitou voluntariamente e livremente; mais ainda, Ele mesmo Se ofereceu em sacrifício como cordeiro inocente, porque sendo Deus Se fez homem e por sua vontade humana Se submeteu, tornando-Se obediente a Vós seu Pai, até à morte e morte de cruz.
E assim, Senhor Jesus Cristo, meu Deus, Vos humilhastes para me levardes aos ombros como ovelha perdida e me apascentastes em verdes pastagens; Vós me alimentastes com as águas da verdadeira doutrina por meio dos vossos pastores, aos quais Vós mesmo alimentais, para que, por sua vez, alimentem a vossa grei, escolhida e nobre.
Agora, Senhor, pela imposição das mãos do vosso sacerdote, Vós me chamastes para servir os vossos discípulos. Não sei por que razão me escolhestes; só Vós o sabeis.
Senhor, tornai mais leve o peso dos meus pecados, com que Vos ofendi tão gravemente; purificai o meu coração e a minha inteligência. Sede para mim como uma lâmpada luminosa que me conduz pelo recto caminho.
Ponde as vossas palavras nos meus lábios; dai-me uma linguagem clara e fácil, mediante a língua de fogo do vosso Espírito, para que a vossa presença sempre me assista.
Apascentai-me, Senhor, e apascentai Vós comigo, para que o meu coração não se desvie nem para a direita nem para a esquerda; que o vosso Espírito me conduza pelo recto caminho e as minhas obras se realizem segundo a vossa vontade até ao último momento.
E Vós, nobre vértice da mais íntegra pureza, ilustre assembleia da Igreja, que esperais a ajuda de Deus, Vós, em quem Deus habita, recebei das nossas mãos a doutrina da fé, que fortifica a Igreja, tal como no-la transmitiram os nossos pais.

Das cartas de São Francisco Xavier, presbítero, a Santo Inácio


Ai de mim se não anunciar o Evangelho

Viemos por povoações de cristãos, que se converteram há uns oito anos. Nestes sítios não vivem portugueses, por a terra ser muitíssimo estéril e extremamente pobre. Os cristãos destes lugares, por não terem quem os instrua na nossa fé, somente sabem dizer que são cristãos. Não têm quem lhes diga Missa e, ainda menos, quem lhes ensine o Credo, o Pai-Nosso, a Ave-Maria e os Mandamentos. Quando eu chegava a estas povoações, baptizava todas as crianças por baptizar. Desta forma, baptizei uma grande multidão de meninos que não sabiam distinguir a mão direita da esquerda. Ao entrar nos povoados, as crianças não me deixavam rezar o Ofício divino, nem comer, nem dormir, e só queriam que lhes ensinasse algumas orações. Comecei então a saber por que é deles o reino dos Céus. Como seria ímpio negar-me a pedido tão santo, comecei pela confissão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, pelo Credo, Pai-nosso, Ave-Maria, e assim os fui ensinando. Descobri neles grande inteligência. Se houvesse quem os instruísse na fé, tenho por certo que seriam bons cristãos.
Muitos deixam de se fazer cristãos nestas terras, por não haver quem se ocupe de tão santas obras. Muitas vezes me vem ao pensamento ir aos colégios da Europa, levantando a voz como homem que perdeu o juízo e, principalmente, à Universidade de Paris, falando na Sorbona aos que têm mais letras que vontade para se disporem a frutificar com elas. Quantas almas deixam de ir à glória e vão ao inferno por negligência deles! E, se assim como vão estudando as letras, estudassem a conta que Deus Nosso Senhor lhes pedirá delas e do talento que lhes deu, muitos se moveriam a procurar, por meio dos Exercícios Espirituais, conhecer e sentir dentro de suas almas a vontade divina, conformando-se mais com ela do que com suas próprias afeições, dizendo: «Senhor, eis-me aqui; que quereis que eu faça? Mandai-me para onde quiserdes; e se for preciso, até mesmo para a Índia».

(Cartas de 20 de Out. de 1542 e 15 de Janeiro de 1544: Epist. S. Francisci Xaverii aliaque eius scripta, ed. G. Schurhammer — I. Wicki, t. I: «Mon. Hist. Soc. Iesu» 67, Romae, 1944, pp. 147-148; 166-167)